sábado, 16 de janeiro de 2010

SOLIDARIEDADE AO POVO DO HAITI

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

P. nº 0015/10

“Esperando contra toda esperança” (Rm 4,1)

Em meio às desalentadoras notícias que chegam a cada momento, dando conta das trágicas conseqüências do terremoto que afligiu o Haiti, ceifando tantas vidas e colocando abaixo trabalhos e sonhos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB se une à multidão de homens e mulheres que, nestas circunstâncias, têm “a ousadia de quem se atreve a esperar contra toda esperança”, para apresentar à Igreja e a todo povo do Haiti a solidariedade em orações, palavras e gestos.

Neste momento, são necessárias iniciativas que demonstrem solidariedade internacional, como, por exemplo, o perdão imediato de toda a dívida externa do Haiti, que corresponde a 30% do seu pobre orçamento, e ações humanitárias que amenizem a dor e reanimem a esperança do povo haitiano.

Movida por este sentimento de solidariedade, a CNBB e a Cáritas Brasileira lançam a Campanha SOS HAITI, em socorro à população atingida pelo terremoto.

Conclamamos todas as comunidades eclesiais, paróquias e dioceses a promoverem, no próximo domingo, dia 17, ou no dia 24 de janeiro, ou em outra data conveniente, orações e coletas em dinheiro para as vítimas do terremoto no Haiti. Assim, nos unimos à campanha mundial promovida pela Caritas Internationalis em resposta ao apelo do Papa Bento XVI.

As doações poderão ser depositadas nas contas: Banco do Brasil - Agência: 3475-4 - Conta Corrente: 23.969-0; Caixa Econômica Federal - OP: 003 - Agência: 1041 - Conta Corrente: 1132-1; Banco Bradesco - Agência: 0606 - Conta Corrente: 70.000-2.
Que a graça de Deus fortaleça nosso compromisso de caridade fraterna, inspire nossa generosidade e anime quem está a serviço das vítimas no Haiti.

Brasília, 15 de janeiro de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha Dom Demétrio Valentim
Arcebispo de Mariana Bispo de Jales
Presidente da CNBB Presidente da Cáritas Brasileira

Sentimentos pela morte de Dra. Zilda Arns e Solidariedade ao povo Haitiano

O Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), entidade das Irmãs Scalabrinianas, vem manifestar o grande pesar pelo falecimento da Dra. Zilda Arns Newman no Haiti, por ocasião do terremoto de terça-feira passada. A total dedicação da fundadora da Pastoral da Criança aos mais frágeis e desamparados teve o seu ápice, exatamente, em Porto Príncipe (Haiti) ao nos deixar, junto a milhares de seres humanos em um dos países mais pobres do mundo. Que o exemplo da Dra. Zilda corra o mundo e leve aos países ricos e desenvolvidos a mensagem da sua obra em que o dar e servir estão acima de qualquer outra ambição.

Queremos, também, obviamente, manifestar o nosso grande pesar por todos os brasileiros e não brasileiros que levados pelo zelo que dedicavam aos menos favorecidos, lá estavam a serviço humanitário, social, religioso. Todos e todas, indistintamente, merecem nossa admiração e reverência.

Ao povo haitiano nossas preces e nossos profundos sentimentos e solidariedade.

Irmã Rosita Milesi
Diretora

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Nota da CNBB pela morte da Drª Zilda Arns

Quem acolher em meu nome uma criança, estará acolhendo a mim mesmo" (Mt. 18, 4-5)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - recebeu, com dor profunda, a notícia da morte da Drª Zilda Arns, médica pediatra, fundadora da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, ocorrida na terça-feira, 12 de janeiro, vítima do trágico terremoto que se abateu sobre o Haiti.

Drª Zilda devotou-se, com amor apaixonado, à defesa da vida, da família e, de modo muito especial, ao cuidado das crianças empobrecidas.

Cidadã atuante, Drª Zilda conquistou respeito e credibilidade junto à sociedade brasileira e internacional, por suas posições claras e firmes em favor de políticas sociais, especialmente as da saúde. Foi ainda uma das sanitaristas mais respeitadas e comprometidas com o movimento da reforma sanitária brasileira, que culminou com a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A obra fundada por ela, inspirada na fé cristã, haverá de continuar no trabalho abnegado dos mais de 260 mil líderes que, cotidianamente, se dedicam à causa da criança e da pessoa idosa.

Em missão no Haiti, a convite da Conferência dos Religiosos e de autoridades civis daquele país, Drª Zilda se despediu, no pleno exercício da causa em que sempre acreditou. Ela buscou realizar na prática a missão de Jesus: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10).

A CNBB agradece a Deus por ter tido, em seus quadros, esta personalidade tão virtuosa que muito dignificou a Igreja no Brasil. A CNBB se une ao querido Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, irmão da Drª Zilda, aos outros irmãos, filhos, netos, demais familiares e amigos, na prece solidária e na certeza de que a ela será dado gozar as alegrias eternas, reservadas para todos que, nesta vida, souberam amar a Deus servindo os irmãos.

Brasília-DF, 13 de Janeiro de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário-geral da CNBB

Palestra que a Dra. Zilda Arns preparou para apresentar no Haiti

Leia abaixo a íntegra da palestra que Zilda Arns, médica e fundadora da Pastoral da Criança que morreu no terremoto no Haiti, preparou para apresentar no país. Segundo o filho Nelson Arns Neumann, Zilda fazia seu discurso quando as paredes da igreja em que estava desabaram.

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Agradeço o honroso convite que me foi feito. Quero manifestar minha grande alegria por estar aqui com todos vocês em Porto Príncipe, Haiti, para participar da assembleia de religiosos.

Como irmã de dois franciscanos e de três irmãs da Congregação das Irmãs Escolares de Nossa Senhora, estou muito feliz entre todos vocês. Dou graças a Deus por este momento.

Na realidade, todos nós estamos aqui, neste encontro, porque sentimos dentro de nós um forte chamado para difundir ao mundo a boa notícia de Jesus. A boa notícia, transformada em ações concretas, é luz e esperança na conquista da Paz nas famílias e nas nações. A construção da paz começa no coração das pessoas e tem seu fundamento no amor, que tem suas raízes na gestação e na primeira infância, e se transforma em fraternidade e responsabilidade social.

A paz é uma conquista coletiva. Tem lugar quando encorajamos as pessoas, quando promovemos os valores culturais e éticos, as atitudes e práticas da busca do bem comum, que aprendemos com nosso mestre Jesus: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenha em abundância" (Jo 10.10).

Espera-se que os agentes sociais continuem, além das referências éticas e morais de nossa Igreja, ser como ela, mestres em orientar as famílias e comunidades, especialmente na área da saúde, educação e direitos humanos. Deste modo, podemos formar a massa crítica das comunidades cristãs e de outras religiões, em favor da proteção da criança desde a concepção, e mais excepcionalmente até os seis anos, e do adolescente. Devemos nos esforçar para que nossos legisladores elaborem leis e os governos executem políticas públicas que incentivem a qualidade da educação integral das crianças e saúde, como prioridade absoluta.

O povo seguiu Jesus porque ele tinha palavras de esperança. Assim, nós somos chamados para anunciar as experiências positivas e os caminhos que levam as comunidades, famílias e pais a serem mais justos e fraternos.

Como discípulos e missionários, convidados a evangelizar, sabemos que força propulsora da transformação social está na prática do maior de todos os mandamentos da Lei de Deus: o amor, expressado na solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos" significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça; significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade. Todo esse caminho necessita de comunicação constante para iluminar, animar, fortalecer e democratizar nossa missão de fé e vida. Cremos que esta transformação social exige um investimento máximo de esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Este desenvolvimento começa quanto a criança se encontra ainda no ventre sagrado da sua mãe. As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de paz e esperança. Não existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem preconceitos que as crianças.

Não é por nada que disse Jesus: "... se vocês não ficarem iguais a estas crianças, não entrará no Reino dos Céus" (MT 18,3). E "deixem que as crianças venham a mim, pois deles é o Reino dos Céus" (Lc 18, 16).

Hoje vou compartilhar com vocês uma verdadeira história de amor e inspiração divina, um sonho que se fez realidade. Como ocorreu com os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35), "Jesus caminhava todo o tempo com eles. Ele foi reconhecido a partir do pão, símbolo da vida." Em outra passagem, quando o barco no Mar da Galileia estava prestes a afundar sob violentas ondas, ali estava Jesus com eles, para acalmar a tormenta. (Mc 4, 35-41).

Com alegria vou contar o que "eu vi e o que tenho testemunhado" a mais de 26 anos desde a fundação da Pastoral da Criança, em setembro de 1983.

Aquilo que era uma semente, que começou na cidade de Florestópolis, Estado do Paraná, no Brasil, se converteu no Organismo de Ação Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, presente em 42 mil comunidades pobres e nas 7.000 paróquias de todas as Dioceses da Brasil.

Por força da solidariedade fraterna, uma rede de 260 mil voluntários, dos quais 141 mil são líderes que vivem em comunidades pobres, 92% são mulheres, e participam permanentemente da construção de um mundo melhor, mais justo e mais fraterno, em serviço da vida e da esperança. Cada voluntário dedica em média 24 horas ao mês a esta missão transformadora de educar as mães e famílias pobres, compartilhar o pão da fraternidade e gerar conhecimentos para a transformação social.

O objetivo da Pastoral da Criança é reduzir as causas da desnutrição e a mortalidade infantil, promover o desenvolvimento integral das crianças, desde sua concepção até o seis anos de idade. A primeira infância é uma etapa decisiva para a saúde, a educação, a consolidação dos valores culturais, o cultivo da fé e da cidadania com profundas repercussões por toda a vida.

Um pouco de história:

Sou a 12ª de 13 irmãos, cinco deles são religiosos. Três irmãs religiosas e dois sacerdotes franciscanos. Um deles é D. Paulo Evaristo, o Cardel Arns, Arcebispo emérito de São Paulo, conhecido por sua luta em favor dos direitos humanos, principalmente durante os vinte anos da ditadura militar do Brasil.

Em maio de 1982, ao voltar de uma reunião da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, D. Paulo me chamou pelo telefone a noite. Naquela reunião, James Grant, então diretor executivo da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), falou com insistência sobre o soro oral. Considerado como o maior avanço da medicina no século passado, esse soro era capaz de salvar da morte milhões de crianças que poderiam morrer por desidratação devido a diarreia, uma das principais causas da mortalidade infantil no Brasil e no mundo. James Grant conseguiu convencer a D. Paulo para que motivasse a Igreja Católica a ensinar as mães a preparar e administrar o soro oral. Isto podia salvar milhares de vidas.

Viúva fazia cinco anos, eu estava, naquela noite história, reunida com os cinco filhos, entre os nove e dezenove anos, quando recebi a chamada telefônica do meu irmão D. Paulo. Ele me contou o que havia passado e me pediu para refletir sobre ele. Como tornar realidade a proposta da Igreja de ajudar a reduzir a morte das crianças? Eu me senti feliz diante deste novo desafio. Era o que mais desejava: educar as mães e famílias para que soubessem cuidar melhor de seus filhos!
Creio que Deus, de certo modo, havia me preparado para esta missão. Baseada na minha experiência como médica pediatra e especialista em saúde pública e nos muitos anos de direção dos serviços públicos de saúde materna-infantil, compreendi que, além de melhorar a qualidade dos serviços públicos e facilitar às mães e crianças o acesso a eles, o que mais falta fazia às mães pobres era o conhecimento e a solidariedade fraterna, para que pudessem colocar em prática algumas medidas básicas simples e capazes de salvar seus filhos da desnutrição e da morte, como por exemplo a educação alimentar e nutricional para as grávidas e seus filhos, a amamentação materna, as vacinas, o soro caseiro, o controle nutricional, além dos conhecimentos sobre sinais e sintomas de algumas doenças respiratórias e como as prevenir.

Me vem a mente então a metodologia que utilizou Jesus para saciar a fome de 5.000 homens, sem contar as mulheres e as crianças. Era noite e tinham fome. Os discípulos disseram a Jesus que o melhor era que deixassem suas casa, mas Jesus ordenou: "Dai-lhes vós de comer". O apóstolo Felipe disse a Jesus que não tinham dinheiro para comprar comida para tanta gente. André, irmão de Simão, sinalou a uma criança que tinha dois peixes e cinco pães. E Jesus mandou que se sentassem em grupos de cinquenta a cem pessoas (em pequenas comunidades). Então pensei: Por que morrem milhões de crianças por motivos que podem facilmente ser prevenidos? O que faz com que eles se tornem criminosos e violentos na adolescência?

Recordei o inicio da minha carreira, quando me desafiei a querer diminuir a mortalidade infantil e a desnutrição. Vieram a minha mente milhares de mães que trocaram o leite materno pela mamadeira diluída em água suja. Outras mães que não vacinam seus filhos, quando não havia ainda cesta básica no Centro de Saúde. Outras mães que limpavam o nariz de todos os seus filhos com o mesmo pano, ou pegavam seus filhos e os humilhavam quando faziam xixi na cama. E ainda mais triste, quando o pai chegava em casa bêbado. Ao ouvir o grito de fome e carinho de seus filhos, os venciam mesmo quando eram muito pequenos. Sabe-se, segundo resultados de pesquisas da OMS (Organização Mundial da Saúde), cuja publicação acompanhei em 1994, que as crianças maltratadas antes de um ano de idade têm uma tendência significativa para violência, e com frequência fazem crimes antes dos 25 anos.

A Igreja, que somos todos nós, que devíamos fazer?

Tive a seguridade de seguir a metodologia de Jesus: organizara as pessoas em pequenas comunidades; identificar líderes, famílias com grávidas e crianças menores de seis anos. Os líderes que se dispusessem a trabalhar voluntariamente nessa missão de salvar vidas, seriam capacitados, no espírito da fé e vida, e preparados técnica e cientificamente, em ações básicas de saúde, nutrição, educação e cidadania. Seriam acompanhados em seu trabalho para que não se desanimassem. Teriam a missão de compartilhar com as famílias a solidariedade fraterna, o amor, os conhecimentos sobre os cuidados com as grávidas e as crianças, para que estes sejam saudáveis e felizes. Assim como Jesus ordenou que considerassem se todos estavam saciados, tínhamos que implantar um sistema de informações, com alguns indicadores de fácil compressão, inclusive para líderes analfabetos ou de baixa escolaridade. E vi diante de mim muitos gestos de sabedoria e amor apreendidos com o povo.

Senti que ali estava a metodologia comunitária, pois podia se desenvolver em grande escala pelas dioceses, paróquias e comunidades. Não somente para salvar vidas de crianças, mas também para construir um mundo mais justo e fraterno. Seria a missão do "Bom Pastor", que estão atentos a todas as ovelhas, mas dando prioridade àquelas que mais necessitam. Os pobres e os excluídos.

Naquela maravilhosa noite, desenhei no papel uma comunidade pobre, onde identifique famílias com grávidas e filhos menores de seis anos e lideres comunitários, tanto católicos como de outras confissões e culturas, para levar adiante ações de maneira ecumênica, pois Jesus veio par que "todos tenham Vida e Vida em abundância" (João 10,10). Isto é o que precisa ser feito aqui no Haiti: fazer um mapa das comunidades pobres, identificar as crianças menores de 6 anos e suas famílias e lideres comunitários que desejam trabalhar voluntariamente.

Desde a primeira experiência, a Pastoral da Criança cultivou a metodologia de Jesus, que é aplicada em grande escala. No Brasil, em mais de 40 mil comunidades, de 7.000 paróquias de todas as 272 diocese e prelazias. Está se estendendo a 20 países. Estes são, na América Latina e no Caribe: Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Uruguai, Peru, Venezuela, Guatemala, Panamá, República Dominicana, Haiti, Honduras, Costa Rica e México; na África: Angola, Guiné-Bissau, Guiné Conakry e Moçambique e na Ásia: Filipinas e Timor Leste.

Para organizar melhor e compartilhar as informações e a solidariedade fraterna entre as mães e famílias vizinhas, as ações se baseiam em três estratégias de educação e comunicação: individual, de grupo e de massas. A Pastoral da Criança utiliza simultaneamente as três formas de comunicação para reforçar a mensagem, motivar e promover mudanças de conduta, fortalecendo as famílias com informações sobre como cuidar dos filhos, promovendo a solidariedade fraterna.

A educação e comunicação individual se fazem através da 'Visita Domiciliar Mensal nas famílias' com grávidas e filhos. Os líderes acompanham as famílias vizinhas nas comunidades mais pobres, nas áreas urbanas e rurais, nas aldeias indígenas e nos quilombos, e nas áreas ribeirinhas do Amazonas. Atravessam rios e mares, sobem e descem montes de encostas íngremes, caminham léguas, para ouvir os clamores das mães e famílias, para educar e fortalecer a paz, a fé e os conhecimentos. Trocam ideias sobre saúde e educação das crianças e das grávidas; ensinam e aprendem.

Com muita confiança e ternura, fortalecem o tecido social das comunidades, o que leva a inclusão social.

Motivados pela Campanha Mundial patrocinadas pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1999, com o tema "Uma vida sem violência é um direito nosso", a Pastoral da Criança incorporou uma ação permanente de prevenção da violência com o lema "A Paz começa em casa". Utilizou como uma das estratégias de comunicação a distribuição de seis milhões de folhetos com "10 Mandamentos para alcançar a paz na família", debatíamos nas comunidades e nas escolas, do norte ao sul do país.

As visitas, entre tantas outras ações, servem para promover a amamentação materna, uma escola de dialogo e compartilhar, principalmente quando se dá como alimento exclusivo até os seis meses e se continua dando como alimento preferencial além do um ano, inclusive além dos dois anos, complementarmente com outros alimentos saudáveis. A sucção adapta os músculos e ossos para uma boa dicção, uma melhor respiração e uma arcada dentária mais saudável. O carinho da mãe acariciando a cabeça do bebe melhora a conexão dos neurônios. A psicomotricidade da criança que mama no peito é mais avançada. Tanto é assim que se senta, anda e fala mais rápido, aprende melhor na escola. É fator essencial para o desenvolvimento afetivo e proteção da saúde dos bebês, para toda a vida. A solidariedade desponta, promovida pelas horas de contato direto com a mãe. Durante a visita domiciliar, a educação das mulheres e de seus familiares eleva a autoestima, estimula os cuidados pessoais e os cuidados com as crianças. Com esta educação das famílias se promove a inclusão social.

A educação e a comunicação grupal têm lugar cada em cada mês em milhares de comunidades. Esse é o Dia da Celebração da Vida. Momento dedicado ao fortalecimento da fé e da amizade entre famílias. Além do controle nutricional, estão os brinquedos e as brincadeiras com as crianças e a orientação sobre a cidadania. Neste dia as mães compartilham práticas de aproveitamento adequado de alimentos da região de baixo custo e alto valor nutritivo. As frutas, folhas verdes, sementes e talos, que muitas vezes não são valorizados pelas famílias.

Outra oportunidade de formação de grupo é a Reunião Mensal de Reflexão e Evolução dos líderes da comunidade. O objetivo principal desta reunião é discutir e estabelecer soluções para os problemas encontrados.

Essas ações integram o sistema de informação da Pastoral da Criança para poder acompanhar os esforços realizados e seus resultados através de Indicadores. A desnutrição foi controlada. De mais de 50% de desnutridos no começo, hoje está em 3,1%. A mortalidade infantil foi drasticamente reduzida e hoje está em 13 mortos por mil nascidos vivos nas comunidades com Pastoral da Criança. O índice nacional é 2,33, mas se sabe que as mortes em comunidades pobres, onde estão a Pastoral da Criança, é maior que é na média geral. Em 1982, a mortalidade infantil no Brasil foi 82,8 mil nascidos vivos. Estes resultados têm servido de base para conquistar entidades, como o Ministério da Saúde, Unicef, Banco HSBC, e outras empresas. Elas nos apóiam nas capacitações e em todas as atividades básicas de saúde, nutrição, educação e cidadania. O custo criança/mês é de menos de US$ 1.

Em relação à educação e à comunicação de massas apresentará três experiências concretas de como a comunicação é um instrumento de defesa dos direitos da infância.

Materiais impressos

O material impresso foi concebido especificamente para ajudar a formação do líder da Pastoral da Criança. Os instrutores e os multiplicadores servem como ferramenta de trabalho na tarefa de guiar as famílias e comunidades sobre questões de saúde, nutrição, educação e cidadania. Além do Guia da Pastoral da Criança, se colocou em marcha publicações como o Manual do Facilitador, Brinquedos e Jogos, Comida e as Hortas Familiares, alfabetização de jovens e adultos e mobilização social.

O jornal da Pastoral da Criança, com tiragem mensal de cerca de 280 mil, ou seja 3 milhões e 300 mil exemplares por ano, chega a todos os líderes da Pastoral da Criança. É uma ferramenta para a formação continua.

O Boletim Dicas abarca questões relacionadas com a saúde e a educação para cidadania. Este especialmente concebido para os coordenadores e capacitadores da Pastoral da Criança. Cada publicação chega a 7.000 coordenadores.

Para ajudar na vigilância das mulheres grávidas, a Pastoral da Criança criou os laços de amor, cartões com conselhos sobre a gravidez e um partos saudável.

Outros materiais impressos de grande impacto social é o folheto com os 10 mandamentos para a Paz na Família, 12 milhões de folhetos foram distribuídos nos últimos anos.

Além desses materiais impressos, se envia para as comunidades da Pastoral da Criança material para o trabalho de pesagem das crianças, objetos como balanças e também colheres de medir para a reidratarão oral e sacos de brinquedos para as crianças brincarem no dia da celebração da vida.

Material de som e vídeo

Outra área em que a Pastoral da Criança produz materiais é de som e a produção de filmes educativos. O Show ao vivo da Rádio da Vida, produzido e gravado no estúdio da Pastoral da Criança, chega a milhões de ouvintes em todo Brasil. Com os temas de saúde, de educação na primeira infância e a transformação social, o programa de rádio Viva a Vida se transmite semanalmente 3.740 vezes. Estamos "no ar", de 2.310 horas semanais em todo Brasil. Além disso, o Programa Viva a Vida também se executa em vários tipos de sistemas de som de CD e aparados nas reuniões de grupo.

A Pastoral da Criança também produz filmes educativos para melhorar e dar conhecimento de seu trabalho nas bases. Atualmente há 12 títulos produzidos que sem ocupam na prevenção da violência contra as crianças, comida saudável, na gravidez, e na participação dos Conselhos Municipais de Saúde, na preservação da AIDS e outros.

Campanhas

A Pastoral da Infância realiza e colabora em várias campanhas para melhorar a qualidade de vida das mulheres grávidas, famílias e crianças. Estes são alguns exemplos:

a. Campanhas de sais de reidratação oral

b. Campanha de Certidão de Nascimento: a falta de informação, a distância dos cartórios e a burocracia fazem com que as pessoas fiquem sem certidões de nascimentos.

b. Campanha de Certidão de Nascimento: a falta de informação, a distância dos escritórios e a burocracia fazem com que as pessoas fiquem sem uma certidão de nascimento. A mobilização nacional para o registro civil de nascimento, que une o Estado brasileiro e a sociedade, [busca] garantir a cada cidadão de pleno direito o nome e os direitos.

c. Campanha para promover o aleitamento materno: o leite materno é um alimento perfeito que Deus colocou à disposição nos primeiros anos de vida.
Permanentemente, a Pastoral da Criança promove o aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, em seguida, continuar, com outros alimentos. Isso protege contra doenças, desenvolve melhor e fortalece a criança.

d. Campanha de prevenção da tuberculose, pneumonia e hanseníase: as três doenças continuam a afetar muitas crianças e adultos em nosso país. A Pastoral da Criança prepara materiais específicos de comunicação para educar o público sobre sintomas, tratamento e meios de prevenção destas doenças.

e. Campanha de Saneamento: o acesso à água potável e o tratamento de águas residuais contribuem para a redução da mortalidade infantil. A Pastoral da Criança, em colaboração com outros organismos, mobiliza a comunidade para a demanda por tais serviços a governos locais e usa os meios ao seu dispor para divulgar informações relacionadas ao saneamento.

f. Campanha de HIV/Aids e Sífilis: o teste do HIV/Aids e sífilis durante o pré-natal permite a redução de 25% para 1% do risco de transmissão para o bebê. A Pastoral da Criança apóia a campanha nacional para o diagnóstico precoce destas doenças.

g. Campanha para a Prevenção da morte súbita de bebês "Dormir de barriga para cima é mais seguro": Com a finalidade de alertar sobre os riscos e evitar até 70% das mortes súbitas na infância, a Pastoral da Criança lançou esta grande campanha dirigida às famílias para que coloquem seus bebês para dormir de barriga para cima.

h. Campanha de Prevenção do Abuso Infantil: Com esta campanha, a Pastoral da Criança esclarece as famílias e a sociedade sobre a importância da prevenção da violência, espancamentos e abuso sexual. Esta campanha inclui a distribuição de folheto com os dez mandamentos para a paz na família, como um incentivo para manter as crianças em uma atmosfera de paz e harmonia.

i. Campanha - 20 de novembro, dia de oração e de ação para as crianças: A Pastoral da Criança participa dos esforços globais para a assistência integral e proteção a crianças e adolescentes, em colaboração com a Rede Mundial de Religiões para a Infância (GNRC).

Em dezembro de 2009, completei 50 anos como médica e, antes de 2002, confesso que nunca tinha ouvido falar em qualquer programa da Unicef ou da Organização Mundial de Saúde (OMS), ou de outra agência da Organização das Nações Unidas (ONU), que estimulasse a espiritualidade como um componente do desenvolvimento pessoal. Como um dos membros da delegação do Brasil na Assembleia das Nações Unidas em 2002, que reuniu 186 países, em favor da infância, tive a satisfação de ouvir a definição final sobre o desenvolvimento da criança, que inclui o seu "desenvolvimento físico, social, mental, espiritual e cognitivo". Este foi um avanço, e vem ao encontro do processo de formação e comunicação que fazemos na Pastoral da Criança. Neste processo, vê-se a pessoa de maneira completa e integrada em sua relação pessoal com o próximo, com o ambiente e com Deus.

Estou convencida de que a solução da maioria dos problemas sociais está relacionada com a redução urgente das desigualdades sociais, com a eliminação da corrupção, a promoção da justiça social, o acesso à saúde e à educação de qualidade, ajuda mútua financeira e técnica entre as nações, para a preservação e restauração do meio ambiente. Como destaca o recente documento do papa Bento 16, "Caritas in veritate" (Caridade na verdade), "a natureza é um dom de Deus, e precisa ser usada com responsabilidade." O mundo está despertando para os sinais do aquecimento global, que se manifesta nos desastres naturais, mais intensos e frequentes. A grande crise econômica demonstrou a inter-relação entre os países.

Para não sucumbir, exige-se uma solidariedade entre as nações. É a solidariedade e a fraternidade aquilo de que o mundo precisa mais para sobreviver e encontrar o caminho da paz.

Final

Desde a sua fundação, a Pastoral da Criança investe na formação dos voluntários e no acompanhamento de crianças e mulheres grávidas, na família e na comunidade.
Atualmente, existem 1.985.347 crianças, 108.342 mulheres grávidas de 1.553.717 famílias. Sua metodologia comunitária e seus resultados, assim como sua participação na promoção de políticas públicas com a presença em Conselhos de Saúde, Direitos da Criança e do Adolescente e em outros conselhos levaram a mudanças profundas no país, melhorando os indicadores sociais e econômicos. Os resultados do trabalho voluntário, com a mística do amor a Deus e ao próximo, em linha com nossa mãe terra, que a todos deve alimentar, nossos irmãos, os frutos e as flores, nossos rios, lagos, mares, florestas e animais. Tudo isso nos mostra como a sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação. Neste espírito, ao fortalecer os laços que ligam a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais que afetam as famílias pobres.

Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los.

Muito Obrigada!
Que Deus esteja convosco!
Dra. Zilda Arns Neumann
Médica pediatra e especialista em Saúde Pública
Fundadora e Coordenadora da Pastoral da Criança Internacional
Coordenadora Nacional da Pastoral da Pessoa Idosa

(Folha Online)

Campanha Semanal de Migrações 2010

De 11 a 17 de janeiro de 2010, acontece a Campanha Semanal das Migrações 2010, promovida pela Conferência Nacional Espanhola, na diocese de Guadalajara, Espanha. O lema é “Los menores inmigrantes y los refugiados: hoy acogemos, mañana compartimos”. Para o domingo, dia 17, o bispo diocesano, Dom José Sánchez Gonzáles presidirá a missa de encerramento. Haverá também uma programação artística intercultural e contará com artistas de nove nacionalidades apresentando músicas, danças e canções.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Direitos Humanos e Democracia

Selvino Heck *

Adital - Quando a ministra Dilma Roussef falou ‘vou falar aqui mais com a memória e com o coração’, e se esforçava para conter as lágrimas e a emoção, todos entenderam que o ato de entrega do Prêmio Direitos Humanos/2009 e o lançamento do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) em 21 de dezembro no Palácio Itamarati seriam memoráveis.

Não era o fato, lembrado pelo presidente Lula, de a ministra Dilma estar de novo com os cabelos naturais, sem peruca, depois de meses, significando estar curada do câncer. Mas sim por ela ter dito: "Por anos a fio, amiga Inês, fomos companheiras de sonhos e de lutas. Naquela época, a opressão deles e a nossa esperança foram companheiras cotidianamente." A ministra Dilma referia-se a Inês Etienne Romeu, premiada na categoria Direito à Memória e à Verdade, por ter sido presa política e torturada na prisão.

"Não faz tanto tempo assim que os trabalhadores brasileiros conquistaram o direito de voto, disse Dilma. O presidente Lula e todos os trabalhadores deste país sabem o quanto custou conquistar algo que hoje para nós é absolutamente normal, o direito de greve. Não faz tanto tempo, também, que nós conquistamos o direito de nos organizar em partidos políticos, de nos manifestar nas ruas e de participar livremente da disputa pública eleitoral que nos levou à responsabilidade de governar o Brasil. Foi essa construção democrática que nos trouxe até aqui. A inteligência hoje no Brasil é livre. Hoje todos nós sabemos valorizar a democracia porque, mais uma vez eu repito, é ela que permite este ato. Ela nos provoca todos os dias a avançar cada vez mais. A tirar do papel direitos que por tanto tempo foram sonegados à sociedade brasileiras, especialmente à sua maioria mais pobre."

Nada como a democracia em que vivemos, que hoje, finalmente, parece se consolidar. Como disse a ministra Dilma, "momentos como este nos permitem olhar para trás, reafirmar os compromissos e avaliar o quanto conseguimos caminhar. A verdade e a memória nos dão o impulso necessário para prosseguir. Porque estamos no caminho certo e dele não vamos nos afastar."

O ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, ao apresentar a nova versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), destacou o papel decisivo desempenhado pelos movimentos sociais, ONGs e organismos vinculados à defesa dos direitos humanos. "É de suas demandas, pressões e cobranças que o Estado redemocratizado vem colhendo, crescentemente, formulações para compor as políticas de governo. Políticas que, na área dos direitos humanos, buscam superar o cenário ainda intolerável de violações no cotidiano nacional."

O PNDH-3 está estruturado em seis eixos orientadores, com 521 ações programáticas. Três pontos são fundamentais para o fortalecimento da vida democrática e da cultura de paz no Brasil.
Um deles é tratar a questão da segurança pública como um direito humano de primeira grandeza. O PNDH-3 desdobra todos os fundamentos do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI), concebendo mudanças que levam as novas corporações policiais a se verem como defensoras de direitos humanos.

Outro é o realce dado à educação em direitos humanos, na construção de uma sociedade onde prevaleça o respeito ao outro, a valorização da igualdade na diversidade, o cidadão formando-se desde muito cedo no espírito de fraternidade e solidariedade.

Por fim, o compromisso do presidente Lula em enviar ao Congresso projeto de lei instituindo uma Comissão Nacional da Verdade, para apurar todas as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito da repressão política, sobretudo durante o regime de 1964, garantindo assim a necessária cicatrização em espírito de reconciliação, com o resgate da verdade e a investigação pública de todos os fatos. "Para que ninguém esqueça. Para que nunca mais aconteça."

O PNDH-3 define a área de direitos humanos como prioridade no orçamento e consolida políticas sociais de transferência de renda. Prevê a elaboração de uma política nacional para a infância e adolescência, além de tratar da acessibilidade para pessoas com deficiência. Trata de registro civil, do direito à alimentação e da situação dos moradores de rua. Prevê apoio aos projetos de lei sobre união civil de pessoas do mesmo sexo e do direito à adoção por casais homossexuais. Trata da diversidade religiosa e classifica a segurança pública como questão de direitos humanos.

O presidente Lula, terminando o ato, falou "da alegria de podermos hoje estar lançando o 3º Plano de Direitos Humanos. Programa feito a muitas mãos. Mãos conhecidas, mãos menos conhecidas, e mãos anônimas de pessoas que não saem em fotografias, de pessoas que não sobem em palanques, mas de pessoas que diariamente estão fazendo alguma coisa para que o mundo melhore e para que as pessoas sejam tratadas com mais respeito e com mais cidadania. Praticamente todas as políticas que levamos a cabo neste governo significam o resultado da maturação democrática que a sociedade democrática vem construindo neste país. O importante é que a gente tenha consciência de que estamos no mundo para cumprir missões."

Dirigindo-se à Inês Etienne Romeu, o presidente disse: " Vejam uma coisa: a Inês lutava por quê? Porque ela queria ter liberdade neste país. Ela lutava por quê? Porque ela sonhava que um dia este país iria ter um governo que tivesse compromisso com a grande maioria da sociedade. A Dilma luta pelas mesmas coisas. Então Inês, minha querida Inês, eu só queria te dizer uma coisa: valeu a pena. Não haverá mais retrocesso neste país."

A emoção e o choro da ministra Dilma têm razão de ser. Houve muita luta, muito sofrimento, tortura e mortes. A consciência e a organização do povo devolveram a democracia e agora estão devolvendo os direitos humanos, todos os direitos, para o povo brasileiro.

Em janeiro de dois mil e dez

* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fórum Social Mundial, décima edição

Os milhares de ativistas que se reunirão, no final desse mês, terão várias razões para comemorar seu feito. Mas também estarão diante do fracasso

Breno Altman

Os milhares de ativistas que se reunirão em Porto Alegre, no final desse mês, terão várias razões para comemorar seu feito. Mas também estarão diante do fracasso de um dos conceitos estratégicos que levou à convocação do Fórum Social Mundial no início desse século.

Quando a primeira edição ocorreu, em 2001, as forças progressistas viviam ainda um forte ciclo de dispersão e recuo, apesar das manifestações anti-globalização em Seattle, Washington e Praga durante reuniões de organismos financeiros multilaterais. Os focos de resistência, mesmo se multiplicando, ainda não eram capazes de forjar alternativa ao mundo unipolar surgido após o colapso da União Soviética.

Desse quadro tampouco escapava a América Latina, território onde a hegemonia do neoliberalismo revelava sinais mais evidentes de fadiga, com a ruína de diversas administrações alinhadas com o Consenso de Washington.

A vitória eleitoral do venezuelano Hugo Chávez, em 1998, significara um passo importante na construção de cenário mais positivo para a esquerda, ladeada pela bancarrota do governo conservador equatoriano e pela crise política que, na Argentina, acabaria por desembocar na rebelião contra o governo De La Rua. Mas esses fatos, por relevantes que fossem, ainda não indicavam uma reviravolta continental nos idos de 2001.

O Fórum Social Mundial foi, então, a primeira iniciativa planetária, em muitos anos, capaz de reunir os brotos de mobilização político-social contra a coalizão imperialista liderada pelos Estados Unidos. Sua primeira edição, e algumas das seguintes, deram rosto ao protesto contra o desenho de mundo forjado pelos monopólios e seus governos.

Um dos segredos para reunir correntes e experiências tão diversas talvez residisse, para além do formato de uma feira mundial de idéias, no argumento-força de que os protagonistas do evento deveriam ser os movimentos sociais e as organizações não-governamentais. Havia uma declarada marginalização de partidos e governos, que apenas perifericamente puderam participar das atividades programadas.

Não se tratava de um truque organizativo. Entre os principais articuladores do Fórum, com expressiva repercussão em fatias eventualmente majoritárias dos ativistas presentes, predominava o ponto de vista de que o centro dinâmico de uma estratégia progressista tinha se transferido do Estado para a sociedade, dos partidos para os movimentos, da política institucional para as redes sociais.

Essa opção permitiu construir um arco amplo de participação, além de abrir espaços na couraça midiática. Na prática, o Fórum se apresentava como a negação da forma-política que faz parte da herança genética da esquerda. Apostava na horizontalização contra a verticalização, nas pautas de reivindicação contra os programas de governo, na resistência social contra a alternativa de poder. Muita gente podia entrar nesse barco.

Tal formatação revelou-se, com o passar do tempo, a benção e a agonia do Fórum. Não há dúvidas de que permitiu um impulso inicial sem precedentes, mas se provou um fracasso estrondoso como caminho estratégico.

Afinal, a recuperação política da esquerda, ao menos onde acontece com relevância, como é o caso da América Latina, passou centralmente pelo papel dos partidos e da política, pela conquista de governos e sua defesa. Mesmo as forças acumuladas pelos movimentos sociais confluíram para esse leito, auxiliando a desgastar e a isolar os blocos conservadores.

O discurso autonomista, tão proeminente nas primeiras edições do Fórum, apresenta-se hoje como uma relíquia exótica, desprovido de vida e conexão com a realidade. O que explica a irrelevância à qual, pouco a pouco, vai sendo condenado o próprio Fórum, de onde antes partiam tantas vozes que anunciavam o ocaso da forma-partido.

Já sem o brilho e a capacidade convocatória de suas primeiras edições, o Fórum Social Mundial volta a Porto Alegre. Nada indica que terá a mesma pujança do nascedouro, quando poderia ter desempenhado um papel de maior destaque na composição entre partidos, governos, intelectualidade e movimentos sociais.

Acabou aprisionado a fórmulas que garantiram sucessos iniciais, de público e crítica, mas que acabaram por limitar seus horizontes a uma estrutura de congraçamento, debate e inação.

Breno Altman é jornalista e diretor do site Opera Mundi

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

MARCHA DOS IMIGRANTES

O Dia Internacional do Imigrante, consagrado internacionalmente como 18 de
dezembro, surgiu a partir de reivindicações dos movimentos de imigrantes e se consolidou
com o advento da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e seus Familiares, da ONU, que data de 1990.

Para as organizações de imigrantes e as instituições que os apóiam, a mobilização
ganhou força com o I Fórum Social Mundial das Migrações, em 2005, momento em que se
assumiu o compromisso de fazer desta data um marco da luta mundial pela plena integração
de todos(as) imigrantes.

Em São Paulo, a IV Marcha dos Imigrantes de 2009, ocorrida no dia 13 de
dezembro, reconheceu as conquistas obtidas pelos(as) imigrantes,
convocou todas as pessoas, imigrantes ou solidárias à causa, a marchar pelo
acesso a garantia de direitos, enfatizando a necessidade de se dar visibilidade a esta
população.

Os lemas da IV Marcha foram:
- Por uma nova lei de imigração justa, solidária e contextualizada com a conjuntura sulamericana;
- Pela ratificação da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e seus Familiares;
- Por uma cidadania sul-americana com livre trânsito, residência e direito a permanência;
- Pela não discriminação e criminalização das pessoas migrantes;
- Pelo acesso ao trabalho decente e políticas de fomento a regulamentação das microempresas;
- Pelo direito ao voto;
- Pelo acesso à justiça gratuita e às políticas públicas;
- Pelo cumprimento dos acordos políticos em matéria de migração em âmbito bilateral e
multilateral;
- Pelo respeito a expectativa de direito de residência permanente por parte de milhares de
imigrantes bolivianos beneficiados pelo Acordo de Regularização Migratória Brasil-
Bolívia;
- Pela integração dos Povos.

Qualquer informação adicional acerca da IV Marcha, contatar o Centro de Apoio ao
Migrante (CAMI), pelo telefone (11) 2694-5428 ou pelo email
secretaria.cami@terra.com.br, e falar com Katarina.

Pesquisa revela semelhanças nas atividades ligadas ao tráfico de pessoas

Tatiana Félix *

Adital - A pesquisa intitulada "A prostituição e exploração sexual de crianças e adolescentes: um caminho claro para o tráfico de seres humanos em rotas da América Latina", realizada por Harold Viafara Sandoval, Pesquisador e Diretor de Projetos da Fundação para o Melhoramento da Gestão e Educação para a Democracia (FUNDAGEPAD), mostra a realidade dessas atividades em diversos países da América Latina.

Em seu estudo, o pesquisador verifica a proximidade de relações entre a prostituição, a exploração sexual comercial de crianças e adolescente (ESCCA) e o tráfico de pessoas. Ele diz que a participação dos adultos e a ligação com os menores de idade têm se tornando cada vez mais explícitas.

Entre as diferentes formas de exploração infantil, ele classifica a utilização de crianças e adolescentes para a prostituição, a pornografia, o tráfico para fins sexuais e o turismo sexual envolvendo essa mesma faixa etária.

Em uma das fases de sua pesquisa, Harold fez percursos noturnos e diurnos, visitando diversos estabelecimentos, para entrevistar as pessoas ligadas à dinâmica da ESCCA. Ele entrevistou motoristas de táxis, gerentes de casas noturnas e porteiros, entre outros.

Dentre suas descobertas, Harold expõe o mercado da prostituição sob a modalidade de pré-pago, onde o cliente antecipa o pagamento antes de usufruir os serviços escolhidos. Neste tipo de serviço são considerados elementos como raça, etnia, atributos do corpo, atributos sexuais, idade, condições da região e idioma.

Na Colômbia, os anúncios mostraram a duração dos mesmos, as modalidades, a moeda com que se deve pagar e a inclusão ou não do valor do táxi para deslocamento. Para oferecer os serviços são dados os maiores detalhes possíveis, como idade, tipo físico, grau de instrução, corpo natural ou com cirurgias etc.

De forma geral, a prática da prostituição e a oferta dos serviços é muito parecida nos países pesquisados Além da Colômbia, Cuba, Nicarágua, Chile, Panamá, Peru, Argentina e Brasil também foram avaliados.

Embora quando se pense em prostituição se atribua a prática quase que exclusivamente às mulheres, a participação dos homens é cada vez mais explícita, segundo Harold. Ele observou ainda o envolvimento de pessoas dos mais diferentes níveis da sociedade.

No estudo, ele conclui que, em suas mais diferentes manifestações, o tráfico de seres humanos se associa, a princípio, com a prostituição, passando, em seguida, para a escravidão.

O tráfico de pessoas, define, é uma forma de escravidão que dá a condição de objeto ao ser humano, negociável no mercado, deslocado, dentro ou fora do país e, no local de destino, que é submetido a condições de exploração.

Para o pesquisador, o tráfico de pessoas viola os direitos humanos básicos das vítimas e as sacrifica, configurando-se um crime internacional e, por isso, é considerado também como um fenômeno migratório.

Segundo ele, facilitam o processo das rotas do comércio sexual globalizado, o turismo sexual, sexo virtual e as plataformas eletrônicas, já que a internet tem sido um espaço amplo de divulgação e contribuído para uma grande movimentação do comércio sexual.

Um dos depoimentos relata artimanhas típicas do tráfico como o engano e a falsificação de documentos. "Esse senhor me disse que eu era muito bonita e com corpo perfeito; como queria seguir a carreira de modelo eu acreditei nele, e ele envolveu-me. Arranjou documentos falsos, porque eu tinha apenas 17 anos. Acreditei nas suas palavras até acabar submetida em um bar em Atenas, na Grécia; essa foi a pior tragédia da minha vida".

O comércio sexual, uma prática globalizada, possibilita diversas situações para a incidência do tráfico humano. No Peru, uma traficada contou a relação estreita com a aliciadora, que revelou como comprou o ponto comercial para as traficadas trabalharem, carros e casas, além de ter educado seus filhos, tudo com o dinheiro ganho através do tráfico.

Harold revela que o negócio ilícito do tráfico se camufla também nos diversos espaços que cuidam da imagem e do corpo, como as agências de modelos, academias, salas para massagem e agências de casamentos, entre outros. "Elas (empresas) se comportam como uma fachada para agenciar indiretamente as vítimas do tráfico", diz. "Em cenários aparentemente não explícitos se criam rotas para o desenvolvimento do tráfico de pessoas", declara o pesquisador.

Um dos relatos conta que a futura traficada foi abordada na rua com promessas de ajuda para emprego, mas com pedido de segredo sobre a oferta. A aliciadora se apresentava de maneira elegante. Ao aceitar a proposta, a vítima teve seu passaporte arrancado de suas mãos e uma ameaça explícita: "Isto não tem retorno. Sabemos onde mora sua família".

Ao final de seu estudo, Harold conclui que os fenômenos da ESCCA, Prostituição e Tráfico de Pessoas não têm distinções. Ele alerta o risco que a população enfrenta, desde os menores de idade até adultos. "Sem dúvida alguma, a suspeita é válida: assistimos a um momento em que a prostituição se transforma em moda globalizada, envolvendo diversos setores, níveis sociais e populações".


* Jornalista da Adital

Falta de documentos afeta milhares de migrantes e refugiados na região

Adital - Hoje (18), celebra-se o Dia Internacional do Migrante. A data, dedicada a reflexão sobre os direitos humanos e situação dos migrantes nos diversos países, ainda está longe de ser comemorativa. De acordo com comunicado divulgado hoje pelo Serviço Jesuíta para Refugiados da América Latina e do Caribe (SJRLAC), milhões de migrantes e refugiados vivem irregulares por falta de documentação, situação que os deixa em desvantagem em relação ao restante da sociedade.

Por conta disso, SJR aproveita o Dia Internacional do Migrante para fazer um chamado aos Estados onde a organização realiza trabalhos - Colômbia, Equador, Haiti, Panamá, República Dominicana e Venezuela - para que reconheçam o direito à identidade de migrantes e refugiados.
Na Colômbia, por exemplo, muitas pessoas deslocadas internamente não são reconhecidas sob essa condição, o que, de acordo com o SJR, gera um "subregistro por parte das instituições do Estado que se encarregam de garantir a estas pessoas o acesso a seus direitos". Tal situação, segundo o Serviço, obriga essas pessoas a viverem em condições de extrema pobreza.

Na Venezuela, o problema principal é em relação aos refugiados. Segundo o comunicado do SJR, há, no país, 14.000 pedidos de refúgio. Desses, de acordo informações do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), até junho deste ano, somente 1.400 tiveram respostas. Ricardo Rincón, presidente da Comissão Nacional para os Refugiados (Conare), por sua vez, contabiliza que o país já reconheceu 2.300 refugiados, cifra ainda pequena quando comparada com o número de solicitações.

A situação também não é diferente no Panamá. De acordo com o comunicado da organização, os colombianos vivem no país centro-americano sob a situação de Protegidos Temporais Humanitários (PTH), sem direito à livre mobilidade, ao trabalho, e aos direitos humanos fundamentais.

No Haiti, país caribenho que mais expulsa imigrantes e refugiados, não há política de Estado que trabalhe com a situação dos haitianos que saem do país. "No entanto, reconhecemos como um marco positivo as recentes declarações do primeiro ministro desse país, Jean Max Bellerive, que advogou por uma responsabilidade nacional e diplomática frente à migração haitiana até a República Dominicana e outros países da região.", afirma o comunicado.

Na República Dominicana, uma reforma constitucional aprovou a concessão da nacionalidade dominicana a crianças filhos de imigrantes em situação regular. Entretanto, a mesma reforma excluiu a nacionalidade a filhos de migrantes irregulares, violando, assim, os direitos da infância e aumentando o número de apátridas no país.

Por outro lado, a situação na América Latina e no Caribe não é totalmente má. O SJR destaca, por exemplo, o trabalho realizado pelo Estado de Equador, que outorgou o status de refugiado, através do Registro Ampliado, a 18 mil colombianos entre os meses de março e novembro deste ano. Para o SJRLAC, tal iniciativa deve ser fortalecida e ampliada também para outras nacionalidades que vivem no país.

"É evidente o estado de indefesa em que se encontram milhares de pessoas na condição de deslocamento, refúgio e migração pelo não reconhecimento de seu status humanitário e o acesso à identidade cidadã, situação que afeta gravemente o desenvolvimento pessoal e social. Neste sentido, o SJRLAC, a fim de superar as causas que geram a situação de falta de documentação, exorta aos governos da região que unam esforços e assumam seu compromisso para encontrar soluções combinadas para esta problemática", conclui o comunicado.

Adolescentes e jovens de hoje têm mais vontade de migrar, diz estudo

Karol Assunção *

Adital - A maioria dos jovens uruguaios vive com os pais, sente-se meio protegido pelo sistema de saúde e dialoga com pessoas de outras gerações. Além disso, os adolescentes e jovens de hoje têm mais vontade de migrar. Isto é o que conclui o resultado preliminar da Enquete Nacional de Adolescência e Juventude (Enaj), divulgado na quarta-feira passada (16).

Elaborado pelo Programa Infamília do Ministério de Desenvolvimento Social (Mides), de março a setembro de 2008, o relatório contou com a participação de 5.017 adolescentes e jovens entre 12 e 29 anos residentes nas cidades uruguaias com mais de 5 mil habitantes. De acordo com a Enquete, a maioria dos entrevistados (64,2%) vive com um dos pais, na maioria das vezes (88,3%) só com a mãe.

O relatório mostra que o desempenho acadêmico é diferente por gênero, sendo as mulheres as que alcançam níveis educativos mais altos. "Entre os 12 e 14 anos, 43,8% dos rapazes e 53,6% das mulheres aprovaram no nível primário e ingressaram no ciclo básico. Entre os 15 e 19 anos, superaram o primeiro ciclo 37,3% dos primeiros e 49,5% das segundas. No intervalo de 20 a 24 anos, completaram o segundo ciclo ou estão cursando educação superior 32,9% dos rapazes e 43% das mulheres.", afirma.

Em relação à saúde, 95,2% dos adolescentes e jovens afirmaram que possuem cobertura médica. Sobre a saúde sexual, a enquete perguntou se alguma vez haviam consultado o ginecologista. Das entrevistadas, 71% afirmaram que haviam consultado alguma vez.

A maioria dos adolescentes e jovens (75,6% dos rapazes e 68,4% das mulheres) expressou já haver tido relações sexuais. "Esta diferença vem acompanhada por uma maior precocidade no início da vida sexual por parte dos homens: 50% dos rapazes entrevistados declararam haver tido relações sexuais pela primeira vez aos 15 anos ou menos, enquanto que a média para as adolescentes e jovens é de 17 anos.", analisa.

Em comparação com a última Enaj, realizada no ano de 1990, os adolescentes e jovens de hoje têm mais vontade de migrar, passando de 37,1% para 44.6%. De acordo com o relatório, as principais rações para a emigração são trabalhistas e econômicas, relacionadas ao estudo e à formação.

A diferença entre homens e mulheres em relação à experiência laboral tem diminuído. Enquanto em 1990 a diferença era de 16,4%, em 2008, esta caiu para 5%. "Na atualidade, uma maior proporção de mulheres tem entrado no mercado de trabalho, em relação ao que sucedia quase duas décadas atrás. A porcentagem de mulheres que declara haver tido um trabalho remunerado de três meses ou mais alcança 93%.", afirma.

O resultado preliminar da Enquete Nacional de Adolescência e Juventude 2008 está disponível em: http://www.infamilia.gub.uy/gxpfiles/ENAJ/ENAJFinal.pdf

* Jornalista da Adital

Grandes eventos preocupam pela violação aos direitos infanto-juvenis

Natasha Pitts *

Adital - Com a aproximação de grandes eventos como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, cresce a preocupação com o aumento dos casos de exploração sexual e do trabalho infantil. A chegada de turistas e a existência de canteiros de obra que são montados para estruturar os eventos são alvo de preocupação constante.

Segundo estimativas do Ministério do Turismo (MTur) a Copa do Mundo deve trazer ao Brasil uma média de 500 a 600 mil turistas. Em contrapartida aos benefícios que este grande fluxo de visitantes traz à economia, os grandes eventos estão quase que obrigatoriamente atrelados a graves problemas como o crescimento do trabalho infantil e da exploração sexual de crianças e adolescentes.

A prevenção ainda se apresenta como a melhor maneira de reduzir o número de casos de violação aos direitos infanto-juvenis. "Com o aumento do fluxo turístico cresce também a exploração. Para combater este problema é necessário que seja realizado um trabalho de prevenção e conscientização. Além disso, a exploração também deve ser repelida de forma policia e gerar punição. Só assim o Brasil poderá fazer frente à situação", explica Elisângela Machado, coordenadora do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (CET/UnB).

Embora haja consciência de que o trabalho de sensibilização é a melhor maneira de prevenção, a grande quantidade de atores envolvidos no meio turístico dificulta o trabalho. De acordo com Elisângela, o trade turístico engloba 81 categorias de profissionais que vão desde recepcionistas, camareiras, taxistas e garçons, até gerentes de restaurantes e proprietários de hotéis, entre tantos outros. Devido à atuação no meio turístico todos podem atuar como aliciadores.

Em outubro, a coordenadora representou o Brasil durante a II Conferência Regional e Nacional de Prevenção e Intervenção Contra o Tráfico de Crianças, realizado na cidade de Maputo, em Moçambique. Durante o evento, foram apresentados estudos que mostraram os principais impactos que a Copa de 2010 trará às crianças. O evento é uma prova de que a África está se mobilizando para garantir os direitos infanto-juvenis no período em que eles mais poderão ser vulnerados.

Segundo Elisângela, a partir do próximo ano o Brasil também deve iniciar suas atividades de mobilização em prol de uma Copa e uma Olimpíada sem exploração das crianças e adolescentes. "O Ministério do Turismo, o Centro de Excelência e entidades ligadas ao turismo iniciarão a partir de 2010 um trabalho de prevenção e sensibilização, além de treinamento com os empresários ligados ao setor. O Brasil começará a se mobilizar quatro anos antes da Copa, o que é positivo e possibilita um trabalho concreto antes e durante a Copa", esclarece Elisângela.

As atividades de mobilização terão início de forma mais concreta apenas em 2010. Contudo, já neste ano foram realizadas formações regionalizadas em Recife, capital pernambucana, Nordeste do Brasil. Agentes de sensibilização foram formados para multiplicar conhecimentos e transmitir para outras pessoas o que aprenderam. No próximo ano a ação terá continuidade em todas as cidades sede da Copa e também em João Pessoa.


* Jornalista da Adital

Pastoral da Mobilidade Humana defende que CF aborde Tráfico de Pessoas

Tatiana Félix *

Adital - No Brasil, entidades religiosas e movimentos sociais que lutam no combate ao tráfico de pessoas, já se articulam em favor da realização de uma Campanha da Fraternidade (CF) que aborde esse tema. A proposta é da Pastoral da Mobilidade Humana com apoio da Rede Um Grito pela Vida e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre outros.

Segundo Irmã Maria do Carmo Gonçalves, Secretaria Executiva da Pastoral da Mobilidade Humana, devido ao cunho social e ampla abrangência da CF em todo o país, eles acreditam que abordando a questão do tráfico humano consigam ampliar o debate e sensibilizar a sociedade para essa realidade presente não só no Brasil, mas em todo o mundo. "Esse tema ainda não está sendo discutido como deveria", diz Maria do Carmo.

A ideia é que, com a campanha, a sociedade reflita sobre as armadilhas do tráfico de pessoas, conhecendo todos os seus crimes correlatos, como exploração sexual, prostituição, trabalho escravo, exploração infantil, entre outros. "A exploração infantil é muito freqüente dentro do país", informa.

De acordo com a justificativa do Setor de Mobilidade Humana, o tráfico de pessoas torna urgente a ação também da Igreja no combate a essa prática, denunciada no Documento de Aparecida como "vergonhosa" na América Latina (Cf. DAp 73).

"Diante do exposto acreditamos que uma Campanha da Fraternidade que abordasse o tema do tráfico de pessoas, contribuiria de forma significativa para o avanço no processo de erradicação dessa prática", expressa o texto.

Para alcançar esse objetivo, a Pastoral da Mobilidade Humana, com o apoio de outras entidades iniciou um trabalho de coleta de assinaturas, na primeira quinzena deste mês. "Nossa ideia é que a Campanha da Fraternidade sobre o tráfico já seja em 2012", declara Maria do Carmo.

A prioridade é que ONGs e demais órgãos, inclusive governamentais, assinem a proposta. "Esperamos ter adesão mínima das instituições e coletar, pelo menos, mil assinaturas", informa.

A sociedade também pode abraçar a causa e ajudar no combate ao tráfico de seres humanos. Qualquer pessoa pode assinar o documento que será encaminhado à Presidência da CNBB. De acordo com Maria do Carmo, a escolha do tema da CF deve ser feita entre maio e junho do próximo ano, "até lá, esperamos já ter conseguido as assinaturas necessárias".

Tráfico de Seres Humanos

O tráfico de pessoas é apontado como uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas, movimentando cerca de 32 bilhões de dólares por ano. A rede criminosa se articula em 137 países de todos os continentes e vitima cerca de 2,5 milhões de pessoas.

Segundo o Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC) o tráfico de pessoas com fins de exploração sexual é detectado com maior freqüência, em 79% dos casos. Em seguida, aparece o trabalho forçado com 18% dos casos identificados. Entre as principais causas do tráfico de pessoas estão o desemprego, a desigualdade social, a discriminação de gênero e a globalização.

Para aderir à causa, entrar em contato com a Pastoral da Mobilidade Humana através do telefone: +55 61 3274-1288 , ou pelo e-mail: mobilidadehumana@ccm.org.br

* Jornalista da Adital

Campanha da Fraternidade de 2010 promove a Economia em favor da Vida

Tatiana Félix *

Adital - "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24). Este é o lema da Campanha da Fraternidade (CF) 2010 que abordará o tema "Economia e Vida", com o objetivo de promover uma economia a serviço da vida, sem exclusões e criando uma cultura de solidariedade e paz. A CF de 2010, de caráter ecumênico, está sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (CONIC).

O Reverendo Luiz Alberto Barbosa, do CONIC, disse que "o intuito é mostrar para a sociedade que as igrejas, mesmo com denominações diferentes, estão unidas no mesmo ideal de fraternidade e solidariedade". A proposta é trabalhar no conceito de inclusão social em favor de uma economia que gere a vida e não a morte, comentou o religioso.

O lançamento da CF 2010 foi realizado no último mês de setembro e, embora a abertura oficial seja no dia 17 de fevereiro de 2010, as atividades já começaram. O reverendo informa que, pelas igrejas em todo o Brasil, já estão sendo realizadas oficinas de capacitação sobre o tema da campanha. "Na campanha propriamente dita haverá celebrações internas nas igrejas", esclarece.
A campanha terá atividades até o dia 28 de março, Domingo de Ramos, dia em que, segundo o reverendo, será feita a Coleta Ecumênica da Solidariedade nas igrejas. O dinheiro arrecadado será revertido ao Fundo Ecumênico de Solidariedade que deve destinar recursos a projetos sociais que podem receber valores entre R$ 10 mil e R$ 50 mil reais.

O reverendo comenta que, durante o período da Quaresma, é importante praticar a solidariedade e refletir sobre o tipo de economia que desejamos para a nossa vida. Ele também enfatiza a importância de que todas as pessoas, independente de seu credo religioso, reflitam sobre a questão da economia, já que ela faz parte da vida mesmo antes do nascimento. "A Economia está presente desde a gestação até a morte", resumiu.

De acordo com o texto base da campanha, a economia existe para a pessoa e para o bem comum, e não as pessoas para a economia. O Reverendo Luiz Alberto comentou que a proposta da Campanha da Fraternidade é transformar o coração e a vida das pessoas de boa vontade em relação ao dinheiro. "O dinheiro não é o mais importante".

"O dinheiro deve ser usado para servir ao bem comum das pessoas, na partilha e na solidariedade", expressa o texto base da CF. A vida econômica deveria ser orientada por princípios éticos e não apenas pelo consumo desvairado e lucro a qualquer preço.

Ele disse ainda que 2010 será um ano importante para o Brasil, já que é um ano eleitoral, com eleições para vários cargos nos legislativos estaduais e federal. "A questão econômica é o ponto central de uma campanha eleitoral. Cabe a nós percebermos o que é bom ou ruim, de acordo com as propostas, para escolhermos qual tipo de economia queremos".

"O apelo é que todos se conscientizem e pensem antes de votar, porque ao voltarmos, estamos escolhendo um modelo econômico", finalizou o Reverendo.

* Jornalista da Adital

CAOI: ‘O movimento indígena é reconhecido como o novo protagonista político’

Natasha Pitts *

Adital - Nos últimos anos tem sido notório o poder de mobilização e organização da população indígena em vários pontos da América Latina. Ao longo de tantos anos de exclusão e de invisibilidade, aos povos indígenas de Abya Yala cabe o papel de protagonistas políticos com forte incidência no contexto social.

Em busca do "Bem Viver" e da consolidação de seus direitos, entidades e organizações se fortalecem cada vez mais e dizem em alto e bom som a que vieram. Esta melhor articulação incidiu em avanços marcantes como a realização, em maio de 2009, da IV Cúpula Continental de Povos e Nacionalidades Indígenas, onde se fechou acordos essenciais para a garantia dos direitos indígenas e a defesa da Mãe Terra. Hoje, é possível afirmar que as demandas desta população estão inseridas nas agendas dos movimentos sociais em todo o mundo.

Em entrevista concedida à ADITAL, Miguel Palacín Quispe, coordenador geral da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas (CAOI), avaliou as ações e os acontecimentos de 2009, como o marcante massacre de Bagua, ocorrido no Peru, reafirmou a disposição da população indígena para lutar ativamente por seus direitos e abriu a agenda de estratégias do movimento indígena para 2010.

Adital - Tendo como base o massacre de Bagua, podemos dizer que 2009 foi um ano de dificuldades e retrocessos para os indígenas e para aqueles que lutam por sua causa?

Miguel Palacín Quispe - O massacre de Bagua marca um antes e um depois para o movimento indígena no Peru. Foi o ponto mais visível de uma sistemática política de ‘entreguismo’, vulneração de direitos indígenas e criminalização dos protestos. A morte sempre é uma tragédia e pior ainda se não é investigada e sancionada. Tendo isso muito claro, não podemos deixar de assinalar que as mobilizações amazônicas fortaleceram a articulação com os indígenas andinos, concitaram uma solidariedade nacional que não se via no Peru desde há mais de duas décadas e despertaram a indignação mundial, o que resultou na derrogatória de quatro decretos legislativos que violam direitos indígenas, ponto central da plataforma.

Diversos organismos das Nações Unidas e da sociedade civil de todo o globo têm questionado severamente o governo de Alan García, acusando-o de violar os direitos humanos e instrumentos internacionais que estabelecem os direitos indígenas. No entanto, a perseguição contra líderes indígenas continua e segue-se outorgando concessões, sem consultas, de territórios indígenas a empresas extrativas, pelo que não há que baixar a guarda e seguir pressionando o governo.

Adital - Em matéria de avanços, quais os ocorridos que se podem destacar em 2009?

Miguel Palacín Quispe - A visibilidade, a articulação continental e a incidência do movimento indígena conseguiram grandes avanços. Um espaço chave para ele foi a IV Cúpula Continental dos Povos e Nacionalidade Indígenas que se reuniu em Puno, Peru, em maio deste ano. Ali se tomaram acordos-chaves para a defesa de nossos direitos e da Mãe Terra. Um deles foi a ratificação da convocatória da Minga Global, que se traduziu em mobilizações, fóruns e pronunciamentos em todo o continente, Europa e outras latitudes, entre 12 e 16 de outubro. Esta convocatória foi um acordo do Fórum Social Mundial reunido em Belém do Pará, Brasil, no início do ano, por sugestão das organizações indígenas. As demandas dos povos indígenas e, sobretudo, suas propostas de Bom Viver e Estados Plurinacionais formam já parte das agendas dos movimentos sociais em todo o globo.

Ademais, a participação articulada das organizações indígenas em instâncias como a OIT, o Conselho de Direitos Humanos e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entre outros organismos, tem tido resultados muito importante no apontamento e na exigência aos Estados para que respeitem nossos direitos. A ele se agrega a Primeira Audiência do Tribunal Internacional de Justiça Climática, cuja constituição foi um dos acordos da Cúpula de Maio, e que se realizou em Cochabamba, Bolívia, em 13 e 14 de outubro no marco da Minga Global. Finalmente, o ano se encerra com a decisiva participação do movimento indígena aqui em Kimaforum09, cujas conclusões e declaração recolhem o substancial de nossas propostas frente à mudança climática.

Adital - Que avaliação o senhor faz da implementação e aplicação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas?

Miguel Palacín Quispe - Por um lado, o panorama não é animador. Os direitos consagrados na Declaração são sistematicamente vulnerados em nossos países pelos Estados e pelas empresas transnacionais. Violentam-se territórios, criminalizam-se as organizações indígenas, não se consulta nossos povos sobre as leis e os projetos extrativos que nos afetam; não existe o menor respeito pela autonomia e a autodeterminação. Tudo isso sem mencionar a exclusão de serviços essenciais como saúde e educação interculturais, entre muitas outras carências.

Na região, a Colômbia, o Chile e o Peru são os casos mais graves onde se violentam nossos direitos. No Equador, ainda que a Constituição os acolha em grande parte, o governo promove normas que os vulneram, como as leis de Mineração e da Água, o que motivou grandes mobilizações indígenas e agora estão em um processo de diálogo bastante difícil. Bolívia deu status de Lei Nacional à Declaração e o movimento indígena está trabalhando no desenvolvimento de leis para que o Bom Viver e a Plurinacionalidade expressados na Constituição se materializem.

Em resumo, a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU é uma conquista importante, mas mais de 500 anos de resistência têm nos ensinado que somente nossa luta articulada, o debate e a consolidação de nossas propostas e uma efetiva incidência internacional, possibilitarão que nossos direitos sejam uma realidade.

Adital - Em alguns países como Guatemala, Bolívia, Peru, Equador, a população indígena equivale - ou pode superar - o número de cidadãos não indígenas. Por que motivo, mesmo com sua população numerosa, os indígenas ainda têm seus direitos negados?

Miguel Palacín Quispe - Porque em nossos países, a diferença dos países desenvolvidos, as maiorias são as marginalizadas e excluídas. O problema é que o genocídio físico e cultural da invasão europeia não se encerrou com as independências. Constituíram-se Estados uninacionais, copiados da Europa. Os crioulos só herdaram o poder, não o transformaram. Os povos indígenas foram excluídos desde o início, os Estados crioulos desenvolveram campanhas de extermínio indígena.

A colonização não só sobrevive até hoje, como também tem se fortalecido com a chamada globalização. Justamente com a imposição global do neoliberalismo, nossos povos, seu modo de vida, seus direitos, são considerados obstáculos para o criminoso saque dos bens naturais e a deterioração da Mãe Terra. Dali vem a criminalização dos nossos direitos: somos perseguidos, deslocados, assassinados, torturados, desaparecidos e se militarizam nossos territórios. Mas é precisamente isso o que nos faz despertar, dar o salto na resistência à proposta, articularmos e avançar na conquista de nossos direitos.

Adital - Nesse contexto de luta por hegemonia e contra as consequências do capitalismo, o senhor crê que as mobilizações indígenas têm tomado maior dimensão quanto à visibilidade?

Miguel Palacín Quispe - Definitivamente. Na região e em muitas partes do planeta, o movimento indígena é reconhecido como o novo protagonista político, a queda dos paradigmas capitalistas faz voltar os olhos a nossos paradigmas: diálogo e harmonia com a Mãe Terra, reciprocidade, interculturalidade. No âmbito andino, as constituições da Bolívia e do Equador já recorrem a propostas de Bom Viver e Estados Plurinacionais. Nossas mobilizações não só têm maior dimensão em termos quantitativos, o que já é importante, como, sobretudo, em termos qualitativos, por sua capacidade de apresentar propostas à crise de civilização, articular-se ao conjunto dos movimentos sociais e obter incidência nos espaços nacionais e internacionais, tanto oficiais como da sociedade civil em geral.

Adital - Muitas comunidades indígenas estão em zonas ricas em recursos naturais. Como lidar com vontades ditadas pelas grandes transnacionais? Qual deveria ser o papel dos Estados?

Miguel Palacín Quispe - O movimento indígena combina duas estratégias: por um lado, a participação articulada em fóruns internacionais, como os organismos das Nações Unidas e da OEA, onde apresentamos denúncias aos Estados e relatórios alternativos sobre o cumprimento dos instrumentos internacionais. Nos âmbitos nacionais também apresentamos demandas ante os organismos dos Estados e os sistemas de justiça.

A outra estratégia é a mobilização, que não são apenas marchas, plantões e outras ações de protesto, senão também capacitação de nossos líderes, intercâmbios de experiências, campanhas articuladas, vinculação com o conjunto do movimento social em nível nacional e internacional, fortalecimento de nossas instituições comunais, construção de tribunais éticos, etc. Ambas as estratégias as desenvolvemos sempre desde a perspectiva de nossos direitos e os direitos da Mãe Terra, deixando claro que não mendigamos favores e sim exigimos o exercício de direitos amparados por normas nacionais e internacionais. E em ambas é também muito importante a difusão de nossas demandas e nossas propostas, para fortalecer nossa incidência.

Adital - Por outro lado, é comum que entre as comunidades indígenas existam altas taxas de mortalidade, analfabetismo e extrema pobreza. Esta realidade mudou?

Miguel Palacín Quispe - Não, lamentavelmente. Uma exceção pode ser a Bolívia, mas em geral os povos indígenas da região na prática não existem para os Estados. Nem sequer somos incluídos nas estatísticas oficiais sobre estes indicadores de desenvolvimento social e essa é uma das severas observações que fez o CERD da ONU a nossos Estados. Nós interpretamos isto a partir de duas variáveis: a primeira, que não se trata de desinteresse por elevar nossas condições de vida, e sim de um interesse consciente por manter-nos na marginalização e exclusão a fim de favorecer a invasão de nossos territórios e o saqueio de nossos bens naturais. A segunda, que não queremos programas sociais assistencialistas nem ser "incluídos" no "desenvolvimento".

O que queremos é que se respeite nosso direito a decidir nosso modo de vida, nossa cultura, nossas autoridades, nossos territórios e bens naturais. Não demandamos políticas públicas inclusivas: exigimos políticas públicas interculturais em todos os âmbitos.

Adital - Em resumo, qual será o grande desafio para os movimentos indígenas em 2010?

Miguel Palacín Quispe - Como CAOI nós traçamos quatro eixos estratégicos para 2010: a promoção do Bem Viver e dos Direitos da Natureza, o fortalecimento das articulações indígenas, a afirmação e ativação dos direitos indígenas e a incidência frente à mudança climática e às indústrias extrativas.

Em resumo, podemos definir nosso programa do próximo ano como o desenvolvimento dos Estados Plurinacionais, Bom Viver, direitos coletivos e agenda indígena frente à crise civilizatória. Nossos desafios são, então, posicionar as alternativas indígenas, especialmente o Bom Viver, frente à crise civilizatória do modelo capitalista, assim como fortalecer o exercício e a defesa dos direitos indígenas, ativando mecanismos internacionais de proteção e articulando alianças para fortalecer as alternativas indígenas.

* Jornalista da Adital

FSM completa 10 anos de processo na consolidação de ‘um outro mundo possível’

Karol Assunção *

Adital - Em 2001, cerca de 20 mil pessoas se reuniam em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil, na construção de "um outro mundo". Surgia ali o Fórum Social Mundial (FSM), que tinha como objetivo desfazer a dominação das regras econômica impostas pelos países mais ricos no Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça).

Com o passar dos anos, o FSM se firmou e conquistou espaço nacional e internacionalmente, com participação crescente de pessoas e multiplicação de Fóruns Regionais, Nacionais e Locais em diversas partes do mundo. Em 2009, nove anos após a primeira edição do FSM, Belém, no Pará (Brasil), recebeu 150.000 participantes. Um levante de gente unida no propósito e pensamento de que um mundo melhor e mais justo é mesmo cada vez mais urgente.

Em 2010, o FSM completa dez anos de processo com uma edição especial de avaliação da caminhada, que acontecerá na Grande Porto Alegre, entre os dias 25 e 29 de janeiro. Além disso, 27 Fóruns Sociais se realizarão ao longo do ano de forma descentralizada com direcionamento ao FSM de 2011, que será realizado em Dakar, na África.

Em entrevista à ADITAL, Francisco Whitaker Ferreira, o Chico Whitaker, um dos idealizadores do FSM, fala sobre os avanços e desafios dos 10 anos de Fórum, a importância do espaço para os movimentos e organizações sociais, e as expectativas para os próximos anos.

Adital - Em 2010, o Fórum Social Mundial completará 10 anos. Que avaliação o senhor faz desses dez anos de processo? Acredita que o FSM tem cumprido seu objetivo inicial?

Chico Whitaker - Acredito. O objetivo inicial do FSM era o de romper a dominação do "pensamento único" em que se baseava o Fórum Econômico Mundial de Davos: não há alternativa senão o mercado como motor e regulador da atividade econômica. E deste Fórum os "donos do mundo" (multinacionais e dirigentes dos países mais ricos) ditavam as regras para a vida econômica do planeta.

Era o início de um novo século, em que recém se começava a superar, com manifestações de protesto e resistência contra o domínio do mundo pelo capital, a perplexidade causada pela queda do Muro de Berlim, que simbolizou o desmoronamento de toda uma experiência de construção do socialismo. Centrado no "social" e não no "econômico", o primeiro Fórum Social Mundial foi então organizado a partir de outra afirmação: "outro mundo é possível". Com isso ele reacendeu a chama da esperança e da utopia.

Mas a forma como ele foi organizado perseguia outro objetivo: o de facilitar a superação das barreiras e preconceitos que tornavam extremamente fragmentado esse novo ator político que surgia, a sociedade civil. Como resultado, em poucos anos a mobilização social então chamada de luta "anti-mundialização" passou a ser chamada de movimento "altermundialista", ou seja, de construção de alternativas a uma globalização submetida aos interesses do capital. E por toda a parte começou-se a utilizar a palavra "outro" para expressar o sentido das buscas que se faziam na luta por um mundo com mais justiça e mais paz.

Adital - Em 2001, reuniram-se em Porto Alegre entidades, organizações sociais e ONGs contra a hegemonia capitalista e em busca de "um outro mundo". No próximo ano, o FSM volta à cidade gaúcha para comemorar a 10ª edição. O que mudou nesses 10 anos de Fórum?

Chico Whitaker - O Fórum de Janeiro de 2010 na Grande Porto Alegre é o primeiro de uma série de 27 Fóruns Sociais que se realizarão pelo mundo afora durante esse ano, rumo ao próximo Fórum Social Mundial que terá lugar em janeiro de 2011 na África, em Dakar, no Senegal. Esse foi o formato (Fóruns Sociais em todo o mundo) adotado no processo FSM em 2010. O FSM não "volta" portanto a Porto Alegre. Lá se realiza um Fórum Social especial porque nele está contido um grande seminário de avaliação dos dez anos de caminhada, organizado pelo grupo de entidades e pessoas que promoveram em 2001 o primeiro FSM.

Os Fóruns Mundiais realizados nesses dez anos foram todos diferentes uns dos outros, cada um aprendendo com as lições do anterior. Ao mesmo tempo multiplicaram-se os Fóruns Regionais (como o do Sudeste Asiático em 2003, os Europeus - com sua quinta edição em 2010, em Istambul - e o Norte-americano, com sua segunda edição também este ano, em Detroit), os nacionais e os locais.

Mobilizações mundiais significativas foram discutidas e propostas a partir de Fóruns, como a grande Manifestação pela Paz e contra a guerra no Iraque, em fevereiro de 2003, em que quinze milhões de pessoas foram às ruas. Em 2004 um Fórum Social Mundial foi pela primeira vez organizado em outro país, com sucesso - na Índia, onde a participação de movimentos populares foi marcante. Os formatos foram também se alterando, intercalando-se entre os Mundiais outros tipos de manifestação, como em 2006 os três Fóruns quase simultâneos em três continentes, um Dia Mundial de Ação em 2008, a série de Fóruns agora em 2010. Firmaram-se algumas orientações básicas - contidas numa Carta de Princípios cada vez mais aceita como referência geral - como o caráter do Fórum como um espaço aberto, a horizontalidade na organização de atividades nesse espaço, a auto-organização dessas atividades, a recusa de um documento final único, a não designação de dirigentes ou porta-vozes, o respeito à diversidade.

As temáticas discutidas foram se ampliando, como em 2009 onde sua realização na Amazônia estimulou a abordagem da questão ambiental e da problemática dos povos originários de todos os continentes, a partir das lutas indígenas do Brasil e da América Latina.

Diversas intuições dos organizadores foram igualmente se desdobrando, como a adoção da regra do consenso nas decisões organizativas, e a busca da união dentro da diversidade como grande objetivo a ser alcançado no processo. E a participação foi quase sempre crescente, das 20.000 pessoas do FSM de 2001 às 150.000 do FSM em Belém, em 2009.

Adital - Da primeira edição até agora, episódios significativos marcaram o mundo, como, por exemplo, a Crise Financeira Mundial. Como o FSM lida com essas questões?

Chico Whitaker - O episódio mais significativo vivido pelo mundo na década foi, sem dúvida, a recente Crise Financeira, que desmontou o mito da capacidade de auto-regulação dos mercados. Muitos, inclusive, disseram que ela veio dar razão ao FSM como espaço de proposição de outro tipo de globalização.

Mas esses temas são discutidos pelos participantes dos Fóruns dentro de uma visão de conjunto da série de crises que vive o mundo - alimentar, política, energética, ecológica... O que levou neste ultimo Fórum, de 2009, a que os indígenas andinos propusessem a realização em 2010 de um Fórum Temático sobre o que chamaram de "crise de civilização". O FSM enquanto FSM não pode se posicionar frente a essas crises, uma vez que é somente um espaço de encontro e articulação. Mas seus participantes vêm construindo, no processo, cada vez mais redes e alianças para atuar mais eficazmente

Adital - Apesar de ser um processo lento, já é possível afirmar que as propostas do Fórum começam a se concretizar como verdadeira alternativa para "outro mundo"?

Chico Whitaker - Sem dúvida o processo do Fórum vai permitindo cada vez mais visualizar como deve ser construído o mundo que queremos, e que valores devem reger nossas vidas para escaparmos daqueles impostos pela lógica capitalista. Ao mesmo tempo vai-se descobrindo que outras formas de fazer política são necessárias, e que mudar o mundo implica na multiplicidade e numa enorme variedade de intervenções na realidade. Começa a crescer a consciência da importância de assegurar que os bens comuns da humanidade não possam ser privatizados nem transformados em mercadoria, como é exigido pela dinâmica essencial do capitalismo.

A economia solidária, por sua vez, juntamente com formas de comércio justo, vai se espalhando pelo mundo afora. A esperança no "outro mundo possível" tem influído também na eleição de dirigentes políticos, pelo menos na América Latina. Mas talvez a crise ecológica seja atualmente a que mais pode fornecer alternativas capazes de "acordar" as pessoas para a necessidade urgente de mudar nossos modos de produção e de vida.

Adital - Qual a importância do Fórum para os movimentos sociais? Eles têm participado de forma efetiva do processo?

Chico Whitaker - O Fórum existe para que aqueles que consideram que outro mundo é possível - além de necessário e urgente - possam se reconhecer mutuamente, aprender uns com os outros, descobrir convergências, construir novas alianças. Como um encontro aberto para toda a sociedade civil, ele é um espaço por excelência para os movimentos sociais que considerem que tudo isto é útil para eles, e que estejam interessados em ganhar força unindo-se com outros movimentos sociais, com ONGs e com as diferentes entidades que congregam os vários setores da sociedade civil. Assim eles só não usam essa oportunidade que lhe oferecem os Fóruns quando estão mal informados sobre os objetivos do processo FSM, ou estão bloqueados por preconceitos ou isolados pelos seus modos de atuação. Mas estes obstáculos à participação vão sendo pouco a pouco superados.

Adital - Há uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais no Brasil assim como em outros países da América Latina e do mundo. Nesse aspecto, o FSM serve também como espaço de fortalecimento das lutas e da descriminalização desses movimentos. Pode falar sobre isso?

Chico Whitaker - Estas tentativas de criminalização dos movimentos sociais fazem parte da estratégia dos que não querem mudar o mundo - porque nele, como ele é, são privilegiados - para amedrontar e paralisar os que questionam seu poder e lutam por justiça. O tema é evidentemente discutido nos Fóruns e neles nascem estratégias e alianças para fazer frente a essas tentativas, formando-se redes de resistência e lançando-se campanhas de denúncia. A eficácia dessas alianças depende naturalmente da convicção, dos que delas participam, da importância dessa resistência.

Adital - A edição anterior contou com a participação de governantes do Equador, Bolívia, Venezuela, Paraguai. Como se dá esse diálogo com os governos ditos progressistas ou de esquerda?

Chico Whitaker - O objetivo do processo do FSM de reforçar a atuação da sociedade civil implica em assegurar sua autonomia em relação a governos e partidos. Por isso mesmo nem governos nem partidos podem, enquanto tais, organizar atividades nos Fóruns. A presença de governantes ("ditos progressistas ou de esquerda") depende portanto de convites a eles dirigidos por participantes de cada Fórum.

Mas dentro dessa perspectiva a tendência não é a de oferecer palanques mas de organizar diálogos, já que a sociedade civil atua tanto pressionando como controlando governos, além do que possa fazer por ela mesma. Pode-se dizer que, na verdade, as atividades nos Fóruns de que participam governantes têm sido muito mais importantes para esses governantes do que para os participantes dos Fóruns.

Adital - Quais as perspectivas e os desafios para edições do FSM dos próximos anos?

Chico Whitaker - É preciso tornar cada vez mais consciente entre organizações e movimentos sociais que a busca de sua articulação e união é condição essencial para que se enfrente o monstro da ideologia capitalista, que domina inteiramente corações e mentes em todo o planeta. O processo Fórum pode ser um ótimo instrumento para essa tomada de consciência. Mas falta muito para que ele seja visto dessa forma por todos os militantes e dirigentes desses movimentos e organizações. E há ainda muitas regiões do mundo - mal começamos a torná-lo conhecido na África e menos ainda na Ásia - em que o processo Fórum ainda não chegou a ter uma presença significativa.

Mas tanto essa expansão como o aprofundamento da consciência da utilidade e das potencialidades do processo passa pela construção de consensos entre os que organizam os Fóruns. O desafio para mim é o de conseguir que prevaleça a visão de conjunto e de longo prazo, apesar da extrema urgência da mudança. Mas muitas vezes a angústia por resultados palpáveis leva a tomar caminhos que podem se bloquear mais adiante. A experiência dos dez anos de caminhada me faz, no entanto, crer na continuidade e no enraizamento do processo.

* Jornalista da Adital

Leonardo Boff fala sobre os rumos do planeta terra e do ser humano

Rogéria Araújo *

Adital - As mobilizações sociais e os alardes sobre os prejuízos que a ação humana vem causando ao meio ambiente não foram suficientes para garantir o fechamento de acordos eficazes durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), concluída sexta-feira (18) em Copenhague, na Dinamarca.
Os líderes mundiais demonstraram mais uma vez preferência pelo desenvolvimento do capital em detrimento da vida. Ainda assim, a postura de desdém para com os problemas climáticos do planeta não está engessando as ações da população na luta por pequenas mudanças. A evidência dada à causa ambiental tem servido para gerar consciência e, aos poucos, mudar maus hábitos de consumo. "O lugar mais imediato é começar com cada um", acredita Leonardo Boff.

Em entrevista à ADITAL, o teólogo, filósofo e escritor fala sobre a necessidade de começarmos as mudanças que irão beneficiar a Terra por nós. "Cada um em seu lugar, cada comunidade, cada entidade, enfim, todos devem começar a fazer alguma coisa para dar um outro rumo à nossa presença neste planeta". Para Boff, não devemos depositar nossas esperanças nas decisões que vêm de cima.

Adital - O senhor acredita na vontade política dos grandes líderes mundiais em reverter a situação climática em que se encontra nosso planeta?

Leonardo Boff - Não acredito. Os grandes não possuem nenhuma preocupação que vá além de seus interesses materiais. Todas as políticas até agora pensadas e projetadas pelo G-20 visam salvar o sistema econômico-financeiro, com correções e regulações (que até agora não foram feitas) para que tudo volte ao que era antes. Antes reinava a especulação a mais desbragada que se possa imaginar. Basta pensar que o capital produtivo, aquele que se encontra nas fábricas e no processo de geração de bens soma 60 trilhões de dólares.

O capital especulativo, baseado em papéis, alcançava a cifra de 500 trilhões. Ele circulava nas bolsas especulativas do mundo inteiro, gerenciado por verdadeiros ladrões e falsários. A verdadeira alternativa só pode ser: salvar a vida e a Terra e colocar a economia a serviço destas duas prioridades. Há uma tendência autosuicidária do capitalismo: prefere morrer ou fazer morrer do que renunciar aos seus benefícios.

Adital - Muito esperada a COP 15, que acontece em Copenhague, Dinamarca, parece não apontar para resultados eficazes e em comprometimentos mais sérios. Qual deve ser o papel da sociedade civil caso os resultados não sejam os esperados?

Leonardo Boff - Chegamos a um ponto em que todos seremos afetados pelas mudanças climáticas. Todos corremos riscos, inclusive de grande parte da humanidade ter que desaparecer por não conseguir se adaptar nem mitigar os efeitos maléficos do aquecimento global. Não podemos confiar nosso destino a representantes políticos que, na verdade, não representam seus povos mas os capitais com seus interesses presentes em seus povos. Precisamos nós mesmos assumir uma tarefa salvadora. Cada um em seu lugar, cada comunidade, cada entidade, enfim, todos devem começar a fazer alguma coisa para dar um outro rumo à nossa presença neste planeta. Se não podemos mudar o mundo, podemos mudar este pedaço do mundo que somos cada um de nós.

Sabemos pela nova biologia e pela física das energias que toda atividade positiva, que vai na direção da lógica da vida, produz uma ressonância morfogenética, como se diz. Em outras palavras, o bem que fazemos não fica reduzido ao nosso espaço pessoal. Ele se ressoa longe, irradia e entra nas redes de energia que ligam todos com todos e reforçam o sentido profundo da vida.

Daí podem ocorrer emergências surpreendentes que apontam para um novo modo de habitar o planeta e novas relações pessoais e sociais mais inclusivas, solidárias e compassivas. Efetivamente, se nota por todas as partes que a humanidade não está parada nem enrijecida pelas perplexidades. Milhares de movimentos estão buscando formas novas de produção e alternativas que respondem aos desafios.

Somente em ONG existem mais de um milhão no mundo inteiro. É da base e não da cúpula que sempre irrompem as mudanças.

Adital - Nunca as questões ambientais estiveram tão em evidência como nos últimos anos. Termos como aquecimento global, mudanças climáticas apesar de vários alertas feitos há bem mais tempo, hoje fazem parte do cotidiano de muita gente em todo o planeta. Nessa "crise civilizatória" ainda há tempo para se fazer algo? De onde poderá vir essa "salvação"?

Leonardo Boff - Se trabalharmos com os parâmetros da física clássica, aquela inaugurada por Newton, Galileo Galilei e Francis Bacon, orientada pela relação causa-efeito, estamos perdidos. Não temos tempo suficiente para introduzir mudanças, nem sabedoria para aplicá-las. Iríamos fatalmente ao encontro do pior. Mas se trocarmos de registro e pensarmos em termos do processo evolucionário, cuja lógica vem descrita pela física quântica que já não trabalha com matéria mas com energia (a matéria, pela fórmula de Einstein, é energia altamente condensada) aí o cenário muda de figura.

Do caos nasce uma nova ordem. As turbulências atuais prenunciam uma emergência nova, vinda daquele transfundo de Energia que subjaz ao universo e a cada ser (chamada também de Vazio Quântico ou Fonte Originária de todo ser). As emergências introduzem uma ruptura e inauguram algo novo ainda não ensaiado. Assim não seria de se admirar se, de repente, os seres humanos caiam em si e pensem numa articulação central da humanidade para atender as demandas de todos com os recursos da Terra que, quando racionalmente gerenciados, são suficientes para nós humanos e para toda a comunidade de vida (animais,plantas e outros seres vivos).

Possivelmente, chegaríamos a isso face um perigo iminente ou após um desastre de grandes proporções. Bem dizia Hegel: o ser humano aprende da história que não aprende nada da história, mas aprende tudo do sofrimento. Prefiro Santo Agostinho que nas Confissões ponderava: o ser humano aprende a partir de duas fontes de experiência: o sofrimento e o amor. O sofrimento pela Mãe Terra e por seus filhos e filhas e o amor por nossa própria vida e sobrevivência irão ainda nos salvar.

Então não estaríamos face a um cenário de tragédia cujo fim é fatal mas de uma crise que nos acrisola e purifica e nos cria a chance de um salto rumo a um novo ensaio civilizatório, este sim, caracterizado pelo cuidado e pela responsabilidade coletiva pela única Casa Comum e por todos os seus habitantes.

Adital - Há varias demandas para que a Corte Penal Internacional reconheça os crimes ambientais como crime de lesa humanidade. O senhor acha que seria uma alternativa?

Leonardo Boff - As leis somente têm sentido e funcionam quando previamente se tenha criado uma nova consciência com os valores ligados ao respeito e ao cuidado pela vida e pela Terra, tida como nossa Mãe, pois nos fornece tudo o que precisamos para viver. Havendo essa consciência, ela pode se materializar em leis, tribunais e cortes que fazem justiça à vida, à Humanidade e à Terra com punições exemplares. Caso contrário, os tribunais possuem um caráter legalista, de difícil aplicação, sem sua necessária aura moral que lhe confere legitimidade e reconhecimento por todos.

Então devemos primeiro trabalhar na criação dessa nova consciência. Eu mesmo estou trabalhando com um pequeno grupo, a pedido da Presidência da Assembléia da ONU, numa Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade. Ela deverá entrar por todos os meios de comunicação, especialmente, pela Internet para favorecer a criação desta nova consciência da humanidade. A nova centralidade não é mais o desenvolvimento sustentável, mas a vida, a humanidade e a Terra, entendida como Gaia, um superorganismo vivo.

Adital - Por outro lado não se cogita nada do tipo voltado para o consumo, por exemplo, que tem interferência direta no caos em que se tornou a Terra. Poderia falar um pouco sobre isso?

Leonardo Boff - O propósito de todo o projeto da modernidade, nascido já no século XVI, está assentado sobre a vontade de poder que se traduz pela vontade de enriquecimento que pressupõe a dominação e exploração ilimitada dos recursos e serviços da Terra. Em nome desta intenção se construiu o projeto-mundo, primeiro pelas potências ibéricas, depois pelas centro-europeias e por fim pela hegemonia norte-americana. No início não havia condições de se perceber as consequências funestas desta empreitada, pois incluía entender a Terra como um simples baú de recursos, algo sem espírito que poderia ser tratada como quiséssemos. Surgiu o grande instrumento da tecno-ciência que facilitou a concretização deste projeto. Transformou o mundo, surgiu a sociedade industrial e hoje a sociedade da informação e da automação.

Toda esta civilização oferece aos seres humanos, como felicidade, a capacidade de consumo sem entraves, seja dos bens naturais seja dos bens industriais. Chegamos a um ponto em que consumimos 30% a mais do que aquilo que a Terra pode reproduzir. Ela está perdendo mais e mais sustentabilidade e sua biocapacidade. Ela simplesmente não aguenta mais o nível excessivo de consumo por parte dos donos do poder e dos controladores do processo da modernidade. Os 20% mais ricos consomem 82,4% de toda a riqueza da Terra, enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar com apenas 1,6% da riqueza total. Agora nos damos conta de que uma Terra limitada não suporta um projeto ilimitado. Se quiséssemos universalizar o nível de consumo dos países ricos para toda a Humanidade, cálculos já foram feitos - precisaríamos de pelo menos 3 Terras iguais a esta, o que se revela como uma impossibilidade. Temos que mudar, caso quisermos superar esta injustiça social e ecológica universal e termos um mínimo de equidade entre todos.

Adital - Até que ponto o senhor acredita que a sociedade civil organizada pode ser agente de uma nova prática de consumo?

Leonardo Boff - Deve-se começar em algum lugar. O lugar mais imediato é começar com cada um. O desafio, face ao problema universal, é convencer-se de que podemos ser mais com menos. Importa fazer uma opção por uma simplicidade voluntária e por um consumo compassivo e solidário pensando em todos os demais irmãos e irmãs e demais seres vivos da natureza que passam fome e estão sofrendo todo tipo de carência. Mas para isso, devemos realizar a experiência radicalmente humana de que de fato somos todos irmãos e irmãs e que somos ecointerdependentes e que formamos a comunidade de vida.

A economia se orientará para produzir o que realmente precisamos para a vida e não para a acumulação e para o supérfluo, uma economia do suficiente e do decente para todos, respeitando os limites ecológicos de cada ecossistema e obedecendo aos ritmos da natureza. Isso é possível. Mas precisamos de uma "metanoia" bíblica, de uma transformação de nossos hábitos, de nossa mente e de nossos corações. Essa transformação constitui a espiritualidade. Ela não é facultativa, é necessária. Cada um é como a gota de chuva. Uma molha pouco. Mas milhões e milhões de gotas fazem uma tempestade, agora um tsunami do
bem.

Adital - O Brasil, por conta da Floresta Amazônica e outra matas nativas, deveria ter um papel fundamental na questão ambiental. Como o senhor avalia a postura do governo brasileiro em relação ao tema?

Leonardo Boff - O governo brasileiro não acumulou ainda suficiente massa crítica nem consciência da importância da floresta amazônica para os equilíbrios climáticos da Terra inteira. Se o problema é o excesso de dióxido de carbono na atmosfera, então são as florestas as grandes sequestradoras deste gás que produz o efeito estufa e, em conseqüência, o aquecimento global.

Elas absorvem os gases poluentes pela fotossíntese e os transforma em biomassa, liberando oxigênio. Ao invés de estabelecer a meta de desmatamento 0 e ai ser rígido e implacável, por amor à humanidade e à Terra, o governo estabelece que até 2020 vai reduzir o desmatamento até 15%. E há políticas contraditórias, pois de um lado o Ministério do Meio Ambiente combate o desmatamento, por outro o BNDS financia projetos de expansão da soja e da pecuária que avançam sobre a floresta. Por detrás estão grandes interesses do agronegócio que pressionam o governo a manter uma política flexível e danosa para o equilíbrio da Terra.

Adital - Todavia percebe-se grande atuação de movimentos sociais e entidades em defesa da natureza e cobrando mais de seus governos em âmbitos internacionais. Acredita que haja, no momento, mais empoderamento?

Leonardo Boff - Acredito que a Cúpula de Copenhague terá função semelhante que teve a Eco-92 no Rio de Janeiro. Depois da Eco-92 surgiu no mundo inteiro a questão da sustentabilidade e da crítica ao sistema do capital visto como essencialmente anti-ecológico, pois ele implica uma produção ilimitada à custa da extração ilimitada dos recursos e serviços da natureza. Creio que a partir de agora a Humanidade tomará consciência de que ou ela, a partir da sociedade civil mundial, dos movimentos, organizações, instituições, religiões e igrejas, muda de rumo ou então terá que aceitar a dizimação da biodiversidade e o risco do extermínio de milhões e milhões de seres humanos, não excluída a eventualidade do desaparecimento da própria espécie humana.

Essa consciência vai encontrar os meios para pressionar as empresas, os grandes empreendimentos e os Estados para encontrarem uma nova relação para com a Terra. O problema não é a Terra, mas nossa relação para com ela, relação de agressão e de exploração implacável. Precisamos estabelecer um acordo Terra e Humanidade para que ambos possam conviver interdependentes, com sinergia e espírito de reciprocidade. Sem isso não teremos futuro. O futuro virá a partir da força da semente, quer dizer, das práticas humanas pessoais e comunitárias que criam redes, ganham força e conseguem impor um novo arranjo que garantirá um novo tipo de história.

* Jornalista da Adital